Sempre achei curioso o ofício do escritor. Todos eles, mas em especial o escritor de ficção, porque ele faz existir o irreal e tem uma visão única quando põe os olhos sobre a vida. Essa é uma conversa longa, mas esta resenha é para falar sobre um escritor específico, talvez um dos escritores que mais se derramam e se entregam ao próprio ofício neste nosso tempo. Paulo Zan nasceu em Rio de Contas, Bahia, mas se mudou para Salvador em 2017 para estudar Filosofia, curso no qual hoje é graduado, além de um mestrado em Literatura e Cultura em andamento. Hoje, aos 24 anos, lança o romance “Desaparecer”, sua terceira publicação. 4b1t3g
Paulo é um autor que experimenta. Em suas obras, vê-se que explorou diversas linguagens, mas penso que em “Desaparecer” atingiu um ponto muito alto de sensibilidade ao escolher tratar de temas tão duros na voz de um narrador de 13 anos. Sem nome, esse narrador-personagem introduz o leitor a uma realidade de abandono, luto e escassez. Assombrado pelo suicídio do pai e a morte do avô, o menino vive um cotidiano de solidão entre uma mãe que trabalha o dia inteiro, um tio que não o olha nos olhos, uma avó a quem faz visitas periódicas e uma prima que o atormenta, mas encontra refúgio nos amigos e nas tardes de pipa e segredos compartilhados.
“Eu não era muito bom naquilo, mas tinha uma coisa na pipa no ar. Precisava pensar em nada, só olhar para ela lá no alto e puxar ou dar linha. Tinha a vida da pipa nas mãos”.
Tomado por pensamentos estarrecedoramente maduros, supostamente profundos demais para uma criança, esse narrador-personagem é ainda, sem dúvidas, singelamente infantil. Certamente é este um retrato identificável àquelas crianças que precisaram crescer rápido demais, por um ou outro motivo.
“Me despedi de Pedrinho sem ainda saber o que me esperava. Fiquei olhando ele descer a rua atrás da igreja de pedra até que ele sumisse lá bem longe. Um aperto no peito, o tempo querendo derramar águas de novo. Voltei para casa sentindo que alguma coisa tinha se perdido ali”.
O trecho foi retirado de uma agem do livro em que o personagem a por um momento de virada. É um dos meus trechos preferidos, porque expressa uma angústia tão estranha ao que deve sentir uma criança — ou ao que, pelo menos, se deseja que sinta uma criança —, mas tão inocente ainda. Paulo consegue criar imagens tão bonitas, mesmo em uma atmosfera tão triste, e completas, que consigo ver perfeitamente esse menino parado, vendo o amigo sumir na rua molhada da chuva, de repente tomado por uma grande aflição, que logo se justificará.
Tenho convicção de que muito ainda se verá de Paulo Zan. Acompanhar seus primeiros trabalhos e chegar, então, em “Desaparecer”, é um convite irrecusável às suas publicações futuras. O romance pode ser encontrado no site da editora Mondru, e o trabalho de Paulo pode ser acompanhado em seu perfil no Instagram.
Esta é a terceira resenha de uma breve série sobre livros de autores baianos que serão publicadas semanalmente, às sextas. A intenção é instigar o leitor a conhecer e incentivar o trabalho desses autores, seja através da obra resenhada ou de outras publicações.
Leia aqui a primeira resenha da série, sobre o livro “Caixa de Domingos”, de Léa Rios.
Leia aqui a segunda resenha da série, sobre o livro “Motel Mustang”, de Marcus Vinícius Rodrigues.
Ayla Cedraz é graduada em Letras Vernáculas com Inglês pela Ufba e mestranda em Literatura e Cultura pela mesma universidade.
*Este espaço é plural e tem o objetivo de garantir a difusão de ideias e pensamentos. Os artigos publicados neste ambiente buscam fomentar a liberdade de expressão e livre manifestação do autor(a), no entanto, não necessariamente representam a opinião do Destaque1.