Na última semana o Brasil deu aula de como a violência contra a mulher é uma naturalidade aceita em seu território. O país que historicamente é originalizado através do estupro de negras e indígenas, mantém no DNA nacional o livre o à violação dos corpos femininos. O solo que pisamos, além de ser gigante pela própria natureza, é um enorme algoz de suas filhas. a3k5k
Seja aos 11 ou 21 anos, as meninas e mulheres brasileiras que geram em seus ventres o resultado da violência que sofreram são vítimas também de uma legislação que retira a autonomia dos seus corpos, da bancada jurídica que questiona a veracidade da agressão sofrida, da mídia que as expõe e preserva o anonimato de seus agressores, e de um corpo religioso que as julga. A realidade de ser mulher no Brasil é dolorosa.
Ainda que a prática do aborto após estupro seja validada no Art.128 do Código Penal, recentemente presenciamos uma magistrada negando esse direito a uma sobrevivente em virtude de crenças religiosas pessoais, o que fere o Estado laico. Logo em seguida, acompanhamos mais uma sobrevivente grávida em função da violência sofrida, assim como a anterior, que obteve seus direitos negados. O debate vai além de ser contra ou a favor do aborto, é sobre a vida das mulheres e as constantes agressões que sofremos.
É estarrecedor que a interrupção de uma gestação seja uma prática com maior penalidade para a moral e a religião do que o próprio estupro. Essa mentalidade financia o silêncio das vítimas e legaliza a barbárie contra as mulheres. A narrativa religiosa que impõe como verdade absoluta uma ideologia de vida para todos retira o livre o de escolha. Através desses discursos negros foram escravizados, mulheres mortas em fogueiras e membros da comunidade LGBTQIAP+ são vítimas de torturas psicológicas e físicas. A bancada religiosa do país deseja “salvar” almas, mas apoia a tortura de corpos em nome da família, da moral e dos bons costumes.
A prática do aborto no Brasil existiu, existe e continuará existindo. A criminalização está restrita unicamente às mulheres de baixa renda, e a ilicitude do processo leva à clandestinidade, o que resulta na morte milhares de mulheres anualmente. Dito isso, o não reconhecimento do direito de interrupção da gestação é uma violação dos direitos humanos, sexuais e reprodutivos, além de contribuir para a desigualdade.
Parafraseando John Stuart, “sobre seu corpo e mente o homem é soberano”. A escolha de querer ser ou quando ser mãe é de cunho exclusivo às mulheres. O Estado deve agir como um órgão de apoio e mediador da equidade de gênero, não como ditador. Portanto, enquanto não houver ruptura de dogmas religiosos em temas sociais e políticos, entendimento de que o aborto é um problema de saúde pública e garantia de escolha, o Brasil permanecerá um abatedouro de suas fêmeas.
Laiana França é mercadóloga, pós-graduanda em Gestão Empresarial e estudante de Direito, além de feminista e militante dos direitos humanos.
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